segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Carta.

Caro amigo,
Com sorte afastarei a preguiça para poder escrever-lhe e com mais um tanto de sorte conseguirei escrever estando em computador alienigina aonde não tenho nada pronto. Zero. E você bem sabe o quanto o nada me assusta. Alias você sabe muitas coisas a meu respeito. Sabe que prefiro sorvete de doce de leite em dias frios a um sorvete de manga em um dia onde a temperatura mínima é de 28 graus. Sabe também de como a distância me incomoda, sabe da preguiça que tenho de andar quando temos subidas e sabe que meu filme preferido é Fale com ela. Sabe dos textos que gosto e sabe que saio roubado pedaços de pães-de-queijo, sem contar tudo o que você sabe sobre o modo que eu amo pôr-do-sol e tardes inteirinhas sem fazer nada dentro de um moletom. Porque inclusive nós costumávamos caber dentro do mesmo moletom. E ah, como era bom... Dai então você me cobria de beijos e assistíamos a uma comédia qualquer em cima do colchão que você roubou do seu tio para a gente se sentir mais confortável daquele jeito: não fazendo nada. E não fazer nada com você costumava me agradar bastante. Porque você era tudo e quando se tem tudo não se precisa mais de nada desde que o tédio não nos alcance. E garanto que de tédio você nunca me matou, todas as vezes que inventava uma risadinha no meio de um beijo, as vezes que inventava de fazer cócegas em mim no meio de um abraço. Era humanamente impossível me sentir entediada com você por perto. Mas se tinha algo de que você realmente entendia era do meio jeito que eu tinha de rir. Porque quanto a mim, eu não entendia nada. Eu costumava só gostar de olhar pra você e pronto, isso me satisfazia. Abraçar-te quase me enlouquecia e me dava muito mais prazer do que dois ou três potes de figo em calda. Mas você não, você entendia do mundo, entendia dos ventos do norte e das monções. Tinha lido livros sobre aquelas antigas e riquíssimas famílias e lido aquele livro aonde contava uma história de amor bonitinha mas era só pra me agradar. E ai eu costumava acordar e perceber a graça que era a cara que você fazia quando brigávamos, como você agia tal qual uma mulherzinha quando a gente brigava. Você pegava a chave do carro e saia como eu devia fazê-lo e alias como em qualquer outra situação eu faria mas você me dava uma independência desumana. Pra começar a casa pra onde íamos era sempre a minha então não dava nem se eu quisesse pra eu ir embora porque dentre aquelas paredes uma certeza eu tinha: estou em território conhecido e eu me sentia segura e você sabia disso. E mais do que saber você compreendia isso. Do mesmo modo que seis meses atrás antes que eu conseguisse financiar minha própria casa você entendia que não pudiamos ir pra casa dos meus pais. E nós então cabíamos em qualquer lugar porque nós nos precisávamos. E mesmo assim nem tive, em momento algum, overdose de você. E o receberia de novo agora sem muitas dificuldades. Já pensou nós dois fazendo tudo de novo? Queria de novo ganhar aquelas cantadas cheias de clichês mas sem serem baixas ou vulgares. Porque mesmo se você falasse alguma besteira ou desse bola fora aquele seu sorriso e jeitinho inocente consertavam tudo, me olhando como se ali só pudesse existir nós dois. E esse olhar eu já vi perdido em muitos rostos mas eles nunca me matavam como me mataram ali, naquele balcão de bar. Bar podre e haviam pessoas podres ali, eu sentia cheiro de pessoas podres. Mas ai você chegou com seu perfume masculino delicioso e parou tudo. E mudou tudo. Maldito dia que eu inventei de ir buscar queijo branco no mercado e depois parar naquele maldito bar pra beber uma água mineral. Enquanto você metia copos de pinga garganta abaixo, eu bebia água.. mas quero voltar a falar do jeito que você olhava para o meu sorriso e do jeito que o entendia. Porque dentre as coisas que mais gostava em você o seu jeito de entender meu riso e meu pranto era uma das minhas prediletas. E olha que era difícil escolher o que era ruim ou bom em você já que sempre sabia juntar tão bem o útil ao agradável.
Você me avisava que se algum dia eu voltasse a ficar desempregada, era só usar aquele sorriso que teria tudo o que precisasse. E eu tinha muitas maneiras de sorrir. Mas você me reconhecia por cada um desses meus jeitos. Entendia que quando eu gargalhava alto e despachadamente ou eu tinha medo ou eu poderia estar mesmo feliz. Mas ai você lembrava que a felicidade não era algo desse mundo então subitamente detectava meu desespero. Mas ai você já não via mais graças nas minhas risadinhas murchas e sem cor. Achava bom mesmo era quando eu fazia todo mundo para o que estava fazendo ou falando só pra assistir a minha risada, a minha felicidade gritada assim tão alta. E algumas mulheres daquelas que andam sempre impecáveis me olhavam cheias de inveja porque eu estava dentro de um moletom laranja, tênis surrados, cabelos segurados por uma piranha e bom... tinha um namorado lindo a tiracolo, o que é um caso a parte. Elas jamais conseguiriam aceitar em como eu tinha conquistado toda aquela felicidade (e aquele homem) naqueles trajes e com um cabelo desidratado daqueles. Foi ai que você me ensinou como eu pudia ficar bela e grande quando eu ria. E ai então eu passei a rir mas sem estar necessariamente desesperada. Até porque eu já nem tinha motivo para o desespero.m E mesmo se tivesse eu o aprendi a dissimular com o meu sorriso. Por isso que eu digo: você entende e me explicou o meu próprio sorriso. Enquanto eu via em você a perfeição. Alguém com uma carinha dessas, poço de charme e olhar de carente, precisa de mim! Oh céus, alguém precisa de mim. E mesmo se não precisasse, queria, o que na época não fazia muita diferença.
E pode ser mesmo que essa carta seja totalmente sem fundamento, é que eu achei que a ideia de te contar sobre a sua importância em mim bem bonita. E agora você sabe que é imensamente infinito em mim e por isso nós jamais vamos ter acabado. O namoro em algum momento pode ter chegado ao fim mas você em mim não. E duvido muito que eu tenha acabado ai em você. Então, aos poucos, volta. Porque mesmo distantes continuamos a ser um só então ainda temos um destino traçado para em algum momento nos reencontrarmos. Mas enquanto isso eu vou só rir pra não ter perdido a prática quando você resolver voltar.

Um grande abraço.

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